Faço quesitos médicos há muitos anos, e habitualmente sinto que meus clientes ficam espantados ao receberem os quesitos: “Nunca tinha visto quesitos assim! Muito bom!”.
Nesse sentido, entendi que seria necessário refletir um pouco sobre a confecção de quesitos.
Pois bem, qual a finalidade de se fazer bons quesitos médicos? A primeira, sem dúvida, é a de trazer o perito oficial, o expert do juízo, para a sua linha de raciocínio.
É necessário que a gente conduza o perito oficial pelo caminho onde queremos que ele passe. Só atravessando o caminho delineado pelo nosso raciocínio é que conseguiremos que o perito oficial chegue à mesma conclusão, ao mesmo destino, que nós chegamos.
A segunda finalidade, por consequência, é a de convencer o juízo, diretamente, do meu ponto de vista. E essa, como veremos, não é uma tarefa fácil.
Estamos habituados a ver quesitos médicos intermináveis, as vezes com 30 ou até mais perguntas ao expert. A maioria desses questionamentos acabam sendo respondidos pelo perito oficial da mesma forma: “vide corpo do laudo“. Ou seja, são quesitos que apenas aborrecem o expert, que se furta a respondê-los, e que afastam o olhar atento do juízo dos quesitos, por entender que nada de diferente irá extrair dos quesitos.
E esse é, justamente, o meu ponto quando confecciono quesitos. Lanço mão, portanto, de alguns artifícios para que o perito oficial não possa responder o quesito de forma despretenciosa e para que o juízo fique no mínimo curioso, sendo levado a ler os quesitos.
Assim, meu primeiro insight na confecção dos quesitos é: evite fazer mais de 10 quesitos num processo médico. Não torne seus quesitos uma tarefa enfadonha ao perito. Se você souber onde quer chegar, 10 quesitos serão mais do que suficientes. Quanto mais quesitos você fizer, maiores serão as possibilidades de o perito desviar da sua conclusão.
O segundo insight é: use figuras. Exato, figuras. Se forem coloridas e chamativas, melhor. A ideia é deixar o juízo curioso com teus quesitos, querendo saber do que se tratam aquelas figuras, e fazer com que o perito sinta prazer em responder tuas questões.
Ja fiz muitos concursos públicos, e lembro que as questões que usam tirinhas, que são coloridas ou que tenham algum chamativo visual, são habitualmente as que nos deixam mais curiosos, e nos fazem até pular algumas questões para fazê-las logo!
O meu terceiro insight na confecção dos quesitos é o de aproveitar o momento para inserir bibliografia. Devemos ter em mente que existem diversos graus de evidência científica, e que a mera expertise do perito, quando não embasada por boa bibliografia, é o último grau de evidência, ou seja, aquele menos confiável.
Assim, costumo citar a bibliografia, e com base nessa bibliografia formulo minha questão. Imaginem a saia justa com que deixamos o perito quando inserimos a bibliografia: mesmo que ele queira, fica muito difícil responder de forma diversa à tua bibliografia. Já pensou ter que ir de encontro a um compêndio famoso, ou contra um artigo de acabou de sair no New England Journal of Medicine? Certamente dificultamos a tarefa do expert…
Para que essas dicas não fiquem apenas no imaginário, vou dar um breve exemplo. Recebi a pouco um pedido de quesitos para um processo trabalhista. Tratava-se de um motorista de ônibus que alegava um quadro psiquiátrico decorrente do seu labor.
O perito do juízo entendeu que sua moléstia era decorrente pura e simplesmente de fatores genéticos e intrínsecos àquele paciente, sem qualquer relação com seu trabalho.
Para confrontá-lo e dificultar que ele respondesse novamente que não havia relação entre a doença do autor e o seu trabalho eu inseri uma figura extraída de uma cartilha feita pela UFRGS em conjunto com o Ministério da Saúde. Nessa figura, estão listados diversos sintomas que o próprio expert informou que o autor tinha (insônia, ansiedade, irritabilidade, etc.):
Nesse sentido, conseguimos com esse quesito:
- chamar a atenção do perito oficial e do juízo;
- inserir uma fonte respeitável para nosso ponto de vista; e, por fim,
- dificultar que o perito seja evasivo ou dê resposta contrária ao nosso intento.
Esses eram, portanto, os insights que eu queria compartilhar aqui! Espero que sejam úteis e aplicáveis na sua prática!
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